Dados sobre impacto da privatização do banco nunca são apresentados; argumentação a favor da venda se restringe ao pagamento da impagável dívida do estado.
No dia 10 de setembro, o deputado estadual Sérgio Turra (PP) protocolou na
Assembleia Legislativa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a
obrigatoriedade da realização de um plebiscito para aprovar uma eventual venda do
Banrisul, da Corsan e da Procergs. A proposta, que já conta com 24 assinaturas de
parlamentares (precisando de 33 votos para ser aprovada), requenta a pauta sobre a
venda do banco e anima comunicadores da mídia hegemônica. Vide a colunista Marta
Sfredo, do grupo RBS, que há tempos defende a privatização do Banrisul e chegou ao
ponto de questionar ao presidente da instituição, Cláudio Coutinho, se essa seria a
solução ao “recado” dado pelo mercado financeiro a respeito do baixo valor nas ofertas
pela compra das ações do banco¹
.
A privatização do Banco do Estado do Rio Grande do Sul não é um assunto
novo, tendo ganhado maior destaque a partir do governo Sartori, em que uma adesão ao
Regime de Recuperação Fiscal (RRF) estaria condicionada à venda do Banrisul. Mesmo
sabendo que essa adesão protelaria o pagamento da dívida em apenas três anos (ou seja,
jogando para um próximo mandato o novo estouro dessa dívida nas contas públicas), a
privatização do Banrisul está longe de solucionar o problema – afinal, o valor estimado
em uma eventual venda do banco fica em torno dos R$ 10 bilhões, ao passo em que a
dívida do estado atingiu a marca de R$ 73 bilhões no final de 2018. Para fins de
comparação, a folha de pagamento dos servidores públicos gira na casa dos R$ 1,4
bilhão/mês – ou seja, o valor arrecadado com a privatização não garantiria sequer um
ano de pagamento aos trabalhadores do estado.
Para além do argumento de que “o banco dá lucro”², apresentamos a seguir três
pontos em que o Banrisul cumpre um papel fundamental na dinâmica econômica do Rio
Grande do Sul – papel esse que tanto os grupos de comunicação hegemônicos, quanto
os políticos “de profissão” parecem simplesmente ignorar.
Mais de um bilhão de reais injetado diretamente na economia do estado e 10 mil empregos garantidos
Em 2018, os gastos sob a rubrica de despesas com pessoal, no Banrisul,
atingiram a cifra dos R$ 2,18 bilhões³ – o equivalente a quase 0,5% do PIB gaúcho. Entre o pagamento de remuneração direta, benefícios e participação nos lucros, o total distribuído entre os 10.763 funcionários e os 1.512[4] estagiários chega a R$ 1,65 bilhão de reais. Com quase a totalidade das agências hoje localizadas no próprio RS, estamos falando de mais de um R$ 1 bilhão injetado diretamente na economia do estado, impulsionando o consumo local e movimentando a cadeia de produção gaúcha. Se considerarmos ainda o número de agências localizadas em municípios pequenos, com uma renda média inferior ao salário de um bancário, sobressai-se ainda mais a
importância do banco como um propulsor da economia local por meio de seu quadro
funcional.
Por outro lado, a privatização do Banrisul significaria a demissão da maior parte do seu quadro. Um exemplo do que aconteceria pode ser visto na incorporação do banco HSBC pelo Bradesco em 2016: um ano após a operação, cerca de 11 mil (de um total de 20 mil) trabalhadores antes vinculados ao banco britânico foram demitidos.
Se considerarmos ainda as vagas de emprego fechadas pelos bancos nos dois últimos anos – 14.080 postos extintos em 2017 e 3.305 em 2018[5] –, fica claro o projeto das instituições financeiras brasileiras em reduzir o número de empregados em seus quadros. Nesse sentido, a compra do Banrisul seria muito mais motivada pela sua carteira de quase quatro milhões de clientes, sendo o quadro de funcionários quase que totalmente descartável no curto e médio prazo.
Considerando que o número de desempregados no estado atinge a cerca de 505 mil pessoas, segundo dados apresentados pelo IBGE referente ao segundo trimestre de 2019, a privatização do Banrisul representaria um potencial acréscimo de 2,43% nesses números (considerando apenas os trabalhadores com algum vínculo direto com o banco, não entrando na conta funcionários terceirizados).
Linhas de crédito que movimentam a economia gaúcha
Com o realinhamento estratégico do banco, com linhas de crédito mais específicas voltadas ao setor do agronegócio (responsável por 40% do PIB gaúcho em 2016[6]), o Banrisul assume cada vez mais um papel de destaque na produção de riquezas no estado. Um bom exemplo disso é o aumento no número de negócios prospectados na Expointer desse ano – 45,3% a mais do que na edição de 2018, com um total R$ 327,2 milhões de reais e destaque para o aumento de 251,4% na demanda por financiamento para aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas[7] .
Segundo ainda o estudo Estimação dos Impactos do Banrisul na Economia Gaúcha em 2017, com a coordenação do professor Adelar Fochezatto, o Banrisul injetou, por meio de suas linhas de crédito, cerca de R$ 40 bilhões na economia local, resultando na geração de mais R$ 76,5 bilhões – o equivalente a 18,5% do PIB do estado em 2017. Merecem destaque ainda outros resultados obtidos, como a remuneração do trabalho (que chegou a R$ 11,1 bilhões), à renda bruta dos empresários (R$ 22,1 bilhões), à geração de impostos (R$ 8,5 bilhões), e mais de R$ 6 bilhões apenas de ICMS, auxiliando na manutenção de 1,3 milhão de empregos[8].
O socorro imediato aos poderes executivos locais
Conforme já noticiávamos em fevereiro do ano passado, folhas de pagamento inteiras, referentes ao décimo terceiro salário, vêm sendo pagas por meio de linhas de crédito ofertadas pelo Banrisul, seja no âmbito estadual, seja no municipal. Para além dos 13ºs, o banco disponibiliza uma linha de crédito exclusiva para servidores públicos estaduais, o Banrisalário, linha essa que antecipa o salário do mês para os servidores. Pensando que o executivo estadual vem atrasando o pagamento da folha desde 2015, com a situação dos atrasos se agravando ainda mais na gestão de Eduardo Leite, o Banrisalário representa (além da exploração da situação de miséria causada pelos governos de turno) uma alternativa imediata para garantir o sustento dos trabalhadores do serviço público estadual.
Novamente, se adotarmos uma perspectiva com vistas aos valores direcionados ao consumo local, o banco disponibiliza mais de R$ 1 bi por mês para os servidores públicos do Estado, além de mais alguns milhões de reais (incalculáveis até o momento por falta de informações disponíveis) a cada dezembro, por meio das antecipações de décimo terceiro salários.
Quais os interesses que movem os políticos?
Ao serem questionados nas redes sociais por diferentes eleitores, os deputados que assinaram a PEC de remoção do plebiscito se defendem de maneiras diversas, ora alegando que não se trata de privatizar o banco (de imediato), ora reivindicando os mecanismos de uma democracia representativa. Para além do nítido incômodo que esses deputados demonstram quando o assunto é compartilhar o poder decisório sobre o futuro do povo (mesmo que por meio de instrumentos bastante tímidos como é o plebiscito), fica a dúvida: atendendo aos interesses de quem é negligenciado esse debate sincero a respeito da importância do Banrisul para o estado? Nem todos deixam tão claras suas motivações quanto o candidato ao governo do estado pelo Novo, Mateus Bandeira, talvez hoje o mais famoso defensor da privatização: dono de 133 mil ações do banco, estimadas em R$ 4 milhões de reais[9] , o ex presidente do Banrisul sabe que, em uma eventual venda, essas ações atingiriam cifras muito acima dos R$ 4 mi. E há quem acredite que a defesa é pelos interesses do RS.
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Notas
1. No dia 19/09, estava programada a venda de 100 milhões de ações do Banrisul pelo governo do estado. Todavia, a venda foi cancelada devido aos valores ofertados por ação estarem abaixo do valor de mercado. Na oportunidade, Coutinho, sócio da empresa Tiba Assessoria Empresarial Ltda, empresa especializada em assessorar clientes na aquisição de operações por privatização, afirmou que o mercado estava dando um recado com as ofertas abaixo do preço. Sfredo então questionou ao presidente do banco se a privatização responderia a esse recado, ao que o Coutinho respondeu: “Lógico que a privatização resolveria, mas é simplista dizer que só aponta privatização. Também resolve ficando como está”. Link da notícia em https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/martAsfredo/noticia/2019/09/investidoresmandaram-um-recado-sobre-o-qual-governo-e-assembleia-tem-de-refletir-diz-presidente-do-banrisulck0qvxmep0akw01tgbcn7y8ri.html
2. De 1999 a 2018, com valores atualizados pelo CDI, o estado do RS já recebeu por volta de R$ 15,7 bilhões, entre dividendos, IPO e compra da folha do Poder Executivo.
3. Conforme informado no relatório “Demonstrações Financeiras Consolidadas em IFRS 2018”, disponível em http://ri.banrisul.com.br/banrisul/web/conteudo_pt.asp?tipo=36949&id=0&idioma=0&conta=28&ano=20 18
.4 Fonte: http://www.banrisul.com.br/bob/data/Comunicado_de_Sustentabilidade_Banrisul_2018.pdf
5. https://www.dieese.org.br/sitio/buscaDirigida?tipoBusca=tipo&valorBusca=desempenho+dos+bancos
6. https://estado.rs.gov.br/setor-agro-responde-por-40-do-pib-e-torna-rs-mais-competitivo
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