Dezembro vermelho, mês em de luta contra o HIV/Aids, reforça ainda mais a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) no combate à doença. Foi o SUS que garantiu o acesso integral e gratuito aos medicamentos para tratar os pacientes, fez campanhas de enfrentamento, testagem rápida e gratuita e dezenas de outras ações, que contribuíram para reduzir a taxa de transmissão e mortalidade ao longo dos anos.
Atualmente, cerca de 920 mil pessoas vivem com o HIV. A grande maioria delas (77%) faz tratamento antirretroviral, fornecido gratuitamente pelo SUS e 94% dos pacientes estão na condição de “indetectáveis”, ou seja, a quantidade de cópias do vírus por mililitro de sangue é tão ínfima que o HIV se torna intransmissível por vias sexuais.
Os dados sobre os casos no país são do Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2020, divulgado pelo Ministério da Saúde na última terça-feira (1°), dia em que uma das campanhas do #dezembrovermelho – de luta contra o HIV – tiveram início em todo o país.
O ex-ministro da Saúde e médico infectologista, deputado Alexandre Padilha (PT-SP), um dos responsáveis pela ampliação da rede de acolhimento aos portadores do HIV, afirma que o número de infectados seria muito maior do que os atuais se a rede pública não oferecesse o tratamento.
“A situação hoje poderia ser mais grave do que a pandemia da Covid-19”, diz se referindo ao êxito da política de enfrentamento ao HIV no Brasil, ampliada durante os governos Lula e Dilma, que reforçam a importância do SUS e são reconhecidas internacionalmente.
Sem o SUS, mais de 90% dos brasileiros não teriam como bancar tratamento
“Não fosse o SUS, mais de 90% dos brasileiros não teriam a menor condição de bancar o tratamento. Mais de 90% não teriam tido acesso sequer à testagem do HIV/Aids”, salienta Alexandre Padilha.
Em 2013, o Brasil chegou à vanguarda mundial na resposta à AIDS por ter adotado a estratégia de ampliar o acesso ao tratamento da forma mais rápida possível. “Isso fez com que pudéssemos reduzir o número de mortes causadas pelo vírus”, lembra Padilha.
Já no atual governo, o olhar sobre os portadores do vírus é outro. A política de enfretamento à pandemia do HIV já foi atacada pelo presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), quando, em 2019, rebaixou o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais para um setor mais amplo chamado Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, o que significa perda de autonomia na execução de programas de combate ao HIV.
Em outra ocasião, à imprensa, Bolsonaro chegou a afirmar que a pessoa com HIV é “despesa para todos no Brasil”, causando revolta em ativistas, profissionais de saúde, médicos, pesquisadores e especialistas, que consideraram a fala um retrocesso de 30 anos, que remete ao preconceito vivido nos anos 1980, quando o HIV começou a ganhar os noticiários como “câncer gay”.
Padilha reforça que os programas públicos de prevenção e tratamento ao HIV, ao contrário do que expressa Bolsonaro, devem ser ampliados ainda mais.
“O HIV é uma pandemia mundial e no Brasil temos a capacidade de garantir tratamentos adequados e boa qualidade de vida às pessoas que vivem com o vírus. Mas, infelizmente há uma estimativa de que cerca de cem mil pessoas podem estar infectadas e ainda não sabem, por isso, as campanhas de conscientização – que fazem parte dos programas de prevenção – devem ser reforçadas”, afirma o ex-ministro
Ele reforça ainda a importância da busca pela vacina e aprimoramento dos tratamentos para que sejam cada vez mais adequados a ponto de reduzir ainda mais a transmissão.
Diferente de outras épocas em que os pacientes tomavam coquetéis de medicamentos, atualmente, o tratamento é ministrado com poucos comprimidos que reduzem a quantidade de vírus no organismo às quantidades mínimas tornando o paciente indetectável, geralmente em poucos meses, desde que o tratamento seja seguido corretamente.
Outra ação que deu certo e reduziu os índices de infecção, aponta o ex-ministro, foram as profilaxias pós e pré-exposição a situações de risco, como relação sexual sem preservativos, chamadas de PreP e PEP. Esses tratamentos consistem em um não-portador fazer uso do medicamento como forma de prevenção ou, no caso de ter se exposto, começar o tratamento para evitar a infecção.
Informação que salva vidas
Ainda de acordo com os dados do Boletim Epidemiológico HIV/Aids, a maior concentração de casos está entre os jovens 25 a 39 anos de idade. Foram 492,8 mil infecções. Homens representam cerca de 52% dos casos e mulheres, 48%.
O psicólogo Eduardo Oliveira, do Projeto Demonstrativo PrEP1519, e integrante de grupo de ativistas que atua nas redes sociais com o nome de Doutor Maravilha (@doutormaravilha no Instagram), para orientar, acolher e desconstruir preconceitos contra pessoas que vivem com o vírus, afirma que não existe um rosto para o HIV.
“O HIV pode acontecer com qualquer pessoa, independe da classe, cor, expressão ou identidade de gênero”, diz Eduardo, que também atua em um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) na cidade de São Paulo.
De acordo com ele, é importante que toda a sociedade tenha consciência sobre isso para que grupos sociais, como os heterossexuais, não se sintam “imunes” ao vírus.
“Lá nos anos 1980, quando apareceu o HIV, havia a ideia muito forte de que existiam grupos sociais disseminadores [os gays] e a concepção de peste gay, castigo divino e a gente vem combatendo essa ideia porque ela afasta esses grupos, como os heterossexuais, de acharem que podem se infectar”, diz o psicólogo.
Profissionais de saúde vêm reforçando ao longo dos anos a ideia de que o HIV pode – e está – em qualquer grupo social e levar informação à sociedade sobre prevenção, tratamento e para acabar com estigmas acerca da doença é o principal instrumento de luta contra o HIV. Mas Eduardo diz também que a informação não pode se restringir aos serviços de saúde e precisa ganhar espaços como a escola e o trabalho.
“Isso pode ajudar pessoas saberem que é possível viver com o HIV”, ele diz.
Reprodução de postagem da “Equipe Maravilha” no Instagram
Estigmas e preconceito
Um dos principais objetivos das campanhas realizadas durante o Dezembro Vermelho é justamente o combate ao preconceito. O médico e ex-ministro Alexandre Padilha afirma que o preconceito é a pior doença que existe no ser humano.
“Quem vive com o HIV, os trabalhadores, sabem a dor que sentem. E o medo de ficar estigmatizado, sofrer preconceito faz com que a pessoas não vá fazer o teste por medo ser positivo e ser visto pela família, pelos amigos, pelos colegas de trabalho como alguém a ser evitado”, diz Padilha.
Por isso, ele explica, acabar com o preconceito e garantir acesso ao tratamento e aos cuidados são fatores fundamentais para o enfrentamento ao vírus.
É urgente, mas não é tão simples ou fácil. Em Recife, capital pernambucana, por exemplo, um estudo promovido pelo Programa das Nações Unidas para o HIV e a Aids (Unaids), mostra que 34,3% das pessoas que vivem com HIV evitaram iniciar o tratamento pode não se sentirem preparadas para lidar com o fato de serem portadoras do vírus. Outros 44,7% relataram ouvir comentários discriminatórios sobre a condição de viver com HIV.
Sobre o ambiente de trabalho, 8,7% dos entrevistados relataram ter perdido emprego ou renda por serem soropositivos.
Peguei, e agora?
O psicólogo Eduardo Oliveira conta que cada pessoa lida de uma forma diferente ao saber o resultado do exame. “Alguns manifestam tristeza, o medo aparece com mais frequência, a culpa e até medo da morte. Cada um dá um sentido e o que contribui é justamente a questão social onde pouco se fala sobre o HIV e quando se fala é numa perspectiva ruim ou negativa”, ele diz, reforçando a necessidade diálogo social sobre o tema.
A hora de comunicar o resultado, de acordo com o psicólogo, é um momento crucial. “O acolhimento na primeira fase precisa ser um momento de bastante cautela, de ouvir a pessoa, saber o que ela pensa sobre o HIV para poder construir um caminho para que ela consiga iniciar e se manter no tratamento”, explica Eduardo.
E mesmo depois de iniciado o tratamento, ele relata, “reflexões mais profundas podem acontecer a qualquer momento”. Geralmente, ele diz, são as situações em que a pessoas que vive com HIV precisa decidir sobre falar do HIV com o namorado, a namorada, a família e em outras situações. Por isso, o acolhimento e acompanhamento psicológico, também gratuito pelo SUS, é importante em todas as fases.
Lei garante proteção contra o preconceito
De autoria da ex-senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), a Lei 12.894, que criminaliza a o preconceito contra pessoas com HIV foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2014.
De acordo com a legislação, é crime punível com reclusão de um a quatro anos, além de multa, situações como recusar, cancelar ou segregar alunos em estabelecimentos de ensino; negar emprego ou trabalho ou demitir trabalhadores; segregar em ambiente de trabalho ou escolar; recusar atendimento de saúde e, em especial, “divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade”.
Em caso de violação de qualquer direito, a recomendação é fazer Boletim de Ocorrência (BO) na delegacia mais próximo e entrar com ação criminal.
Sigilo no trabalho e Sigilo médico
A pessoa com HIV tem o direito de manter em sigilo a sua condição sorológica no ambiente de trabalho. Isso inclui testes de admissão, testes periódicos ou de demissão. O médico tem a obrigação de somente averiguar a capacidade laborativa do trabalhador nos exames legais, sem referência ao estado sorológico. É o que diz o Art.168 da CLT.
Em caso de violação, deve-se registrar o ocorrido na Delegacia do Trabalho mais próxima.
Dezembro Vermelho
Desde 1988, o mês de dezembro é marcado por mobilizações e campanhas de conscientização, prevenção e manutenção dos programas públicos de enfretamento ao HIV/Aids. O #DezembroVermelho tem início no primeiro dia do mês – Dia Internacional de Luta contra a Aids e conta com atividades, eventos e campanhas realizadas em nível nacional.
Boletim HIV/Aids
Os dados do Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2020 mostram que o Brasil tem registrado queda no número de casos de infecção por aids nos últimos anos.
Desde 2012, houve uma diminuição na taxa de detecção de aids no país. O número passou de 21,9 casos por 100 mil habitantes, em 2012; para 17,8 casos por 100 mil habitantes em 2019, representando um decréscimo de 18,7%.
A taxa de mortalidade em decorrência da aids também apresentou queda. Em 2015 foram registrados 12.667 óbitos pela doença e em 2019 foram 10.565.
Fonte: Andre Accarini com edição de Marize Muniz – CUT Brasil
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