Os riscos de exploração, horário expandido e interferência na saúde e na vida familiar trazem desafios que exigem muita atenção e acendem um alerta na categoria

Ao contrário de outras grandes pandemias na história da humanidade, como a chamada Gripe Espanhola, que deixou entre 40 e 50 milhões de mortos em todo o mundo (anos 1918 e 1919), a crise atual do Coronavírus, já não paralisa totalmente o planeta e as atividades econômicas. Ao contrário. Com os grandes avanços tecnológicos das últimas décadas, hoje os bancos – por exemplo – seguem imperturbáveis computando seus lucros. Afinal, postados em casa, ocupando seus computadores e laptops pessoais e seus próprios celulares, bancários e bancárias até fazem “economia” para as instituições financeiras – frequentemente trabalhando muitas horas a mais do que no banco.

No momento, muitos bancos privados e públicos estão deixando de pagar enormes contas de luz, água, internet, telefonia, e não acumulam desgastes com a locomoção de funcionários, alimentação, segurança, auxílios, equipamentos de proteção contra a pandemia e muito mais. Enquanto isso, porém, o movimento sindical e o Direito Trabalhista buscam se qualificar e adaptarem-se a estes novos tempos, na defesa da saúde e dos direitos dos empregados. Como relata a diretora da Fetrafi-RS e  funcionária do Banrisul Denise Falkenberg Correia.

Bancos públicos

“Uma das coisas que estamos percebendo é o aumento exponencial da jornada de trabalho”, aponta ela. “Sem que se perceba bem, há um aumento das despesas fixas da casa, como água, luz, internet, além do uso de nossos equipamentos particulares para executar tarefas em benefício dos empregadores”.

Denise também lembra que, em casa, de modo geral, as pessoas não possuem mobiliário – como cadeiras e mesas – ergonômico, acarretando ou agravando problemas de coluna, Ler/Dort  e outros. E cita o caso específico de muitas mulheres,  que terminam executando uma jornada dupla ou tripla de trabalho, com atividades domésticas, alimentação, cuidados com os filhos e muito mais. “Notamos muito estresse e ansiedade das trabalhadoras nesta situação”, completa ela.

Mas Denise observa que, por ser uma certa “novidade” trazida pela Covid-19, o retorno ao trabalho, além dos cuidados, exige ainda um “acúmulo” de experiência, reflexão  e debate para ser bem enfrentado.

Ainda nos bancos públicos, a diretora do SindBancários e empregada da Caixa, Caroline Heidner, recorda que a “reforma trabalhista” legislou sobre o teletrabalho como uma forma do empregador maximizar a extração de atividade do funcionário. “E essa é hoje a realidade de muitos colegas da Caixa, que enfrentam jornadas diárias que chegam a 9 horas de trabalho, para o cumprimento da demanda acordada no Projeto Remoto – mas recebem por apenas 6 horas”.

Reforçando a necessidade urgente do banco negociar com a representação dos empregados para sanar os problemas, ela pontua: “A imposição do teletrabalho na pandemia não pode servir de desculpa para a deterioração das condições de trabalho. A hora é de estabelecermos parâmetros que garantam a jornada, a saúde, e a privacidade de todos – e que ajustem os custos do teletrabalho que ainda recaem sobre os empregados”.

No Banco do Brasil, em relação ao teletrabalho o sentimento dos funcionários é dividido, percebe a diretora do Sindicato Bia Garbelini. “Há colegas que gostam desta modalidade de trabalho e há colegas que já afirmam preferir o trabalho presencial, o que prova que o teletrabalho não pode ser generalizado e requer acompanhamento e regulamentação”, analisa ela.

“Infelizmente, alguns setores se utilizam da necessidade dos funcionários que pertencem ao grupo de risco de terem acesso ao trabalho remoto, para praticar assédio moral e vincular esse acesso ao cumprimento de metas”, pontua Bia. “Essa é uma prática lamentável, que leva colegas ao adoecimento”. Bia recorda ainda que, no último Acordo Coletivo, foi definida a realização de uma mesa temática para tratar do assunto com profundidade, o que deverá acontecer em breve.

Bancos privados

Nos bancos privados, de modo geral, a situação não é melhor. O diretor do Sindicato e funcionário do Itaú, Eduardo Munhoz, o “Dudu”, diz que o banco parece interessado em seguir com o modelo de home office após a pandemia. “Mas os funcionários e as entidades de trabalhadores ainda não receberam qualquer aditivo do banco neste sentido”, informa.

Dudu adianta alguns problemas já constatados com o teletrabalho – muitos deles ligados a uma postura impositiva do próprio Itaú. “Por exemplo, ameaças dos gestores sobre o conteúdo do que os bancários postam em suas redes sociais, avançando para a liberdade de expressão de cada um. E pior – o banco querendo interferir na vida familiar do trabalhador, ao enviar a ‘sugestão’ de que os familiares não usassem a internet para não atrapalhar o trabalho do bancário em  casa…”.

Ele enumera outros problemas que por enquanto estão sendo cobertos pelos bancários, como gastos extras de energia elétrica e conectividade. Não há qualquer controle que garanta pausas na jornada, e muitos bancários sentem dores e desconforto físico, após ficarem horas trabalhando em cadeiras e mobiliário que não são ergonômicos.

Pioneirismo

O representante da COE do Bradesco na Fetrafi-RS, Sandro Cheiran, aponta um certo pioneirismo dos trabalhadores deste banco: “Já firmamos um acordo sobre o teletrabalho com base nas premissas levantadas pelo Ministério Público do Trabalho. Inclusive aqui no Bradesco fomos os primeiros a tomar esta iniciativa entre os bancos privados”, acrescenta. Ele diz que este acordo já foi assinado e que, assim que os protocolos de home office estabelecidos durante a pandemia se extinguirem, deverá entrar em vigor.

No entanto, além das dificuldades comuns de mobiliário e local adequado ao trabalho em casa, relação familiar e tempo diário de atividade laboral, Cheiran aponta a exigência de metas pelos gestores, exigindo demais dos trabalhadores. “Nosso desafio é estabelecer um novo canal de diálogo com estes colegas e fiscalizar ao máxima esta nova relação de trabalho. Mesmo contendo alguns pontos positivos, que se sobrepõem à legislação vigente e ainda precisarão de ajustes, é um avanço, e pode balizar acordos de outros bancos”, finaliza.

No amplo universo bancário, apesar dos efeitos da pandemia de Coronavírus sobre formas e relações de trabalho a partir do isolamento, há também casos específicos. Na área de abrangência do SindBancários de Porto Alegre e Região, não há nada negociado com o Santander sobre o home office, conforme o diretor sindical e funcionário do banco, Luiz Carlos Cassemiro.

“Aqui na nossa base a maioria dos atendimentos é no segmento de varejo. Então, ainda não temos reclamações de colegas a respeito do trabalho home office. Para o varejo do Santander – com público, em geral, mais massificado – a exigência de home office não é prioridade”, explica Cassemiro.

“Etiqueta Digital”

Seja como for, o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho, Alberto Balazeiro, em entrevista na segunda-feira, 05/10, ao jornal O Estado de S. Paulo, afirmou que é preciso haver uma diferenciação clara entre o que é descanso e o que é trabalho em casa, para preservar a saúde mental dos trabalhadores. Neste sentido, ele destaca que é fundamental priorizar o que chama de “etiqueta digital”. “Não respeitar a etiqueta digital e exigir trabalho além da conta é uma nova forma de assédio moral”.

O Ministério Público do Trabalho elaborou uma série de regras para as atividades laborais em casa. Alguns de seus pontos confrontam medidas da “Reforma Trabalhista” de Temer e Bolsonaro, excessivamente patronais.

Conheça as regras

Ética digital: Respeitar a ética digital no relacionamento com os trabalhadores, preservando intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar.

Contrato: Regular teletrabalho por meio de contrato de trabalho aditivo por escrito.

Ergonomia: Observar os parâmetros da ergonomia, seja quanto às condições físicas ou cognitivas de trabalho.

Pausa: Garantir ao trabalhador em teletrabalho períodos de capacitação e adaptação, além de pausas e intervalos para descanso, repouso e alimentação.

Tecnologia: Oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação em plataformas virtuais.

Instrução: Instruir empregados, de maneira expressa, clara e objetiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças, físicas e mentais e acidentes de trabalho.

Jornada: Observar a jornada contratual na adequação das atividades na modalidade de teletrabalho e em plataformas virtuais.

Etiqueta digital: Adotar modelos de etiqueta digital, com horários para atendimento virtual da demanda, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão.

Privacidade: Garantir o respeito ao direito de imagem e à privacidade dos trabalhadores.

Período da covid-19: Garantir a observação de prazos específicos e restritos ao período das medidas de contenção da pandemia da Covid-19.

Liberdade de expressão: Garantir o exercício da liberdade de expressão do trabalhador, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria.

‘Autocuidado’: Estabelecer política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de covid-19.

Direito: teletrabalho, a saúde e segurança do trabalhador

Na visão do advogado trabalhista Antônio Vicente Martins, do SindBancários, o trabalho homeoffice é um tema que precisa ser abordado de forma criteriosa pelo movimento sindical e pelo Direito do Trabalho. “Não há uma regulamentação sobre esta modalidade de trabalho, mas o que nos parece fundamental é a preservação da saúde e segurança dos trabalhadores no desempenho de suas atividades em home office”, coloca.

A adoção do trabalho, nesta modalidade, não pode implicar em adoção de extensas jornadas de trabalho. “É preciso que os trabalhadores possam desconectar das atividades laborais fora do horário de trabalho. O bloqueio de acesso dos trabalhadores aos sistemas da empresa, fora do horário de trabalho, é um modelo que deve ser observado. A hiperconexão pode causar danos irreversíveis aos trabalhadores, tanto do ponto de vista físico como psicológico. Estes danos são imensuráveis”, acrescenta Martins.

Outra questão importante diz respeito à ergonomia no local de trabalho e às condições de acesso aos modelos telemáticos. “É preciso que o empregador garanta o acesso à internet de qualidade para o trabalhador, bem como forneça equipamentos compatíveis com o modelo de trabalho adotado, inclusive com preocupação de ergonomia”, reforça.

Ele observa que a adoção do modelo de trabalho em homeoffice não é uma escolha do trabalhador, mas um modelo empresarial que pode buscar a transferência de custos operacionais para os trabalhadores e uma conexão destes empregados em quantidade de horas muito acima do que as horas contratadas para o trabalho.

Hoje, os modelos de controle exercidos por sistemas de geolocalização permitem que o trabalhador esteja monitorado 24 horas por dia por seu empregador. “Há que se garantir que esta invasão de privacidade dos empregados não seja seguida por uma exigência laboral que nos remeta para um período de escravidão moderna”, diz o advogado.

Ótica do trabalhador

São muitos os pontos e temas controvertidos relacionados com o home office. E aprofundar esta discussão com o olhar de defesa da classe trabalhadora é fundamental. “Não tenham dúvida de que o capitalismo de dados procura sempre precarizar os direitos trabalhistas e manipular a gigantesca onda de informações e dados que circula pelo mundo informatizado. Não há ciência neutra. É dever dos sindicatos se preocupar com a essência desta violação de direitos dos trabalhadores”, conclui Antônio Vicente Martins.

Fonte: Imprensa SindBancários. Ilustração: Bier

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